sábado, 4 de junho de 2011























Foi 2º prémio.Partilho com os seguidores.Deixo aos leitores.
Com o meu obrigada!



NUM GRITO OU NUM CHORO

Num grito ou num choro ,nasci.Nesse momento o mundo era ainda nada para mim.Talvez apenas o meu próprio som.
Alguém me pegou para que pudesse sair do ventre de minha mãe que mal conheci.Anos mais tarde,dissseram-me que se chamava tacto.É um quase reconhecimento feito através da pele.Foi com ele que percebi que há formas que ferem outras que suavizam.Umas regulares,outras exóticas, outras caprichos da Natureza.São formas e volumes que se tornam não raro expressões.Belas ou horríveis.Expressões.
O meu pequenino corpo teve que se movimentar. Só a morte é inerte e eu tinha despertado para a vida.Tinha começado a luta pela sobrevivência...Sem consciência a aprendizagem do movimento tinha despertado.A Física estuda-o.A Ciência desenvolve-o e desenvolve-se...e foi tão fácil para mim esse momento.Que não posso recordar.Com ele passados uns meses,quase doze,tinha dado os primeiros passos.Apressados que o equlíbrio era pouco...depois,bem depois, entendi a sua importancia.Em tudo.Em quase nada.Sempre.
Já muito antes tudo andava ao meu redor.A Terra.As pessoas.Algumas coisas.Tudo por não estar parado se modifica...O estático também.Alguma coisa se move ao seu redor e lhe toca.
Nesse tempo eu não conhecia a noção de Absoluto.Ou relativo.
Foi,então, que da minha observação tinha surgido a imitação.Tive que repetir "Papá" e "Mamã" sem saber que estas seriam as pessoas mais importantes da minha existência.Até pronunciar filho. É verdade que troquei alguns sons e ao cão chamei "cum".Contaram-me.Mas com erros e imperfeições tinha aprendido a falar.Ao princípio julguei ser maravilhoso.Poderia dizer tudo o que sentia e o que pensava.Como só as crianças o fazem.Os adultos riam muito.Sentiam vontade de fazer o mesmo ou olhavam a minha inocência com incontido desgosto.Nunca soube por que fui tão aplaudida.Tantas vezes.Depois, começaram a ensinar-me que as palavras têm que ser contidas.Para não magoar os outros.Para que os outros não nos magoem.Fiquei triste.Depois de tanta atenção dispensada,o meu discurso tinha que se tornar evidentemente moderado.Conveniente.Isto não quis aprender totalmente.Em algumas ocasiões,até esqueci.
Madaram-me para a escola.Disseram-me que era o lugar onde se aprendia.O quê?Pensava eu. Sem escola já sabia tanto!..Sentaram-me numa carteira com uma mesa à frente.O espaço tornava-se mais limitado...que esquisito!...A professora fazia desenhos a que chamava letras.Nunca me explicou que representavam todos os sons que até aí eu já tinha ouvido...e fui escrevendo mais o que me era ditado que espontaneamente. Como teria gostado de ter guardadas as folhas com as expressões sinceras e imediatas da minha infância!...Poucos as têm.As sinceras e imediatas.
Com os anos a contar fui aumentando o meu vocabulário.Comecei a perceber que aquela "matéria" a que chamavam Gramática era a arrumação dada pelo Homem às palavras.Que são muitas.Que todos os dias são mais.Umas nascem,outras morrem.Continuam muitas.São divididas,subdivididas.Fui aprendendo Matmática,Quimíca e muito mais...Quando estudei Filosofia informaram-me que era uma Ciência do pensamento...Julguei que de então para o futuro os problemas passariam a ser fáceis.Eu já sabia Lógica e Matemática.Não foi assim.O inesperado surgiu.Tomou-me de surpresa.Hesitei...A teoria não se aplicava à prática.Precisava de outro saber...
Voltei a nascer para novo conhecimento.A Sabedoria ,talvez.Não sei se é assim que lhe devo chamar.Só sei que não a encontrei nos livros que me obrigaram a ler.Encontrei uma parte nos que eu procurei Nos que escolhi ou me escolheram.As folhas estavam cheias de sentimentos,comportamentos,emoções...Li e reli.Surgiu-me a reflexão.
Pensava que tinha atingido o estado de maturidade.Acreditava que seria capz de entender os muitos mundos do Mundo.Uns visívelmente negros e enlameados,outros de uma beleza deslumbrante mas tão sujos como os primeiros...Dizia que aceitava a diferença.De cores,de estados,de preferências.Defendia que a Terra é de todos.Só a natureza a pode alterar com o seu inesgotável poder.Conhecia a dualidade aparencia-essencia.Isso parecia não me incomodar.
Dizia que "a vida é assim"...e sorria para os mais novos,num desejo profundo de os ajudar a acreditar.A aceitar o que não é igual ou padronizado.
Não sei se foi nesse tempo que percebi o que era humildade.Não era tom de voz.Nem posição de corpo.Era uma atitude de reconhecimento das capacidades próprias num desejo incansável de aprender.O orgulho é inimigo do saber.
Hoje,aqui estou,caminho já percorrido.Algum.Do conhecimento apenas um ponto.Minúsculo.De mim...dos outros,de uma vida que começou,como todas,num grito ou num choro.