
Tive uma tontura muito grande e fui-me deitar.Tenho estas tonturas desde a minha juventude.Pedem-me para parar.Descansar.Foi o que fiz.Antes,porém, fui à estante buscar um livro para me fazer companhia.Percorri a vista por vários títulos,não que a minha biblioteca seja extensa e por fim retirei "o Rei Lear".Já conheço a obra há muitos anos, quando ainda pela minha idade só estava a recolher sementes que o tempo iria fazer germinar no meu "eu" pessoal e cultural...Por isso,abri ao acaso.Na página vinte e cinco, Lear perguntava às filhas:- qual de vós me quer mais?
Não vejo que hoje essa pergunta seja pertinente.Já aprendemos a conhecer o amor através das suas manifestações concretas,não tanto das palavras belas e ternas que faz brotar da boca de todos.De cada um de nós.
O que me pareceu actual foi pensar no "dote" que oferecemos aos nossos filhos.Não falo do material,das propriedades,do dinheiro,dos bens.Que "dotes" fomos construindo enquanto junto de nós, partilharam a mesma casa, a mesma mesa, a mesma noite, a mesma companhia? Falamos-lhes de Justiça,Honestidade,Verdade,Coragem,Fé,Paciência,Compreensão?Levarão consigo quando partirem para a edificação de uma vida própria a certeza que são fruto de um acto de amor e que os Pais o serão sempre? Parece-me que perguntar se gostam de nós, se não lhes tivermos oferecido toda uma amizade profunda,inteira,sentida,dedicada ,obteremos o silêncio por resposta.Se com eles a tivermos vivido partilhado não será preciso perguntar.