sexta-feira, 1 de maio de 2015



Este texto foi Menção Honrosa,este ano,em Avis.
Agradeço à Associação Cultural que promove o evento,em particular a Fernando Máximo.
Obrigada!


Tema:Ser formoso


                                                          Conversando comigo

Que tristeza tenho por ser a formosura!Sou uma palavra  guardada numa arca.De vez em quando,alguém abre vagarosamente a tampa e espreita.Descobre,então,português com um z ,farmácia  com ph,muito mais.. Eu ainda estou ao de cima. Não estou completamente esquecida.Os jovens,esses,não me conhecem. Substituiram-me por lifting,botok,marroquina,,extensões e outros atributos com que caracterizam a beleza.
O espelho ao ouvir este meu desabafo deixou cair uma lágrima vinda do fenómeno de condensação que estava a ocorrer.
A um canto,no chão,havia um livro meio aberto.Parecia que tinha vindo ou iria para um alfarrabista.Hoje,são poucos os que guardam estas relíquias,por serem antigas ou por falta de espaço.Ao ouvir um som estranho,vindo da sala,entrei.Aguçou-me a curiosidade ver o livro assim, abandonado.Sim.Um livro é sempre um livro.Peguei-lhe na página exactamente onde estava,Reparei no desenho de D.Fernando,o tal rei chamado "o Formoso".Confesso que me identifiquei com o cognome.
De novo,ouvi um som estranho parecido com um soluço.Era o próprio chorando pelo desprezo a que era votado no sec XXI.Fora tão cortejado  e agora olham a sua figura e ironizam.De repente,deu-se um estrondo,um bater no chão, ao ritmo de marcha.Parei e escutei.Quem viria aí?Um exercito de fotografias a preto e branco,lideradas por Rudolfo Valentino,reclamando a sua condição de galã .Legiões
 de fãs adularam-no.Houve gritos histéricos e desmaios.Tudo isto por minha causa, a formosura.Nesse tempo,não falavam de beleza porque homem que se prezasse não podia ser bonito.Era interessante,charmoso,insinuante e outros adjectivos que tais...Eu ainda era vista em revistas e alguns jornais,especialmente os que versavam cinema que,então,dava os primeiros passos.Daqui surgiu a minha versão no feminino.Ah!Sim!Gordura é formosura!Nessa época foi o meu grande reinado.Ora em forma de elogio ,ora em forma de ironia "seria melhor que emagrecesses um bocadinho"...Como eu fui pesada!Pouco a pouco foram-me esquecendo.Belo passou a ser permitido no masculino e bela no feminino.O mesmo aconteceu com bonito.
Sabem?As palavras têm alma,são alma.Senti-me relegada para segundo plano, para um quase esquecimento.
A sociedade afirmava a igualdade de direitos entre homens e mulheres  e eu não cabia na moda unissexo. Muito  menos nas manequins anoréxicas,quase esqueletos ,ondulando nas passerelles.
Eu ia fazendo o meu caminho para o lugar do quase nada.
Um estrondo,maior ainda, eclodiu,novamente na  sala.Corri para ver o que se passava.Os móveis tinham desaparecido e um mundo de máquinas tinha ocupado o seu espaço Eram focos de grande potência.,ventoinhas,câmaras,mesas repletas de cosméticos,pincéis,cabeleiras,pestanas,perfumes e muitos,muitos fatos de todas as cores. Ali não tinha lugar.Sou autêntica.Sou verdadeira.
Fugi do falso.Voluntariamente fui-me escondendo da violência.Criar uma sobreposição de imagem é um ataque a quem somos.A quem queremos ser.É o potenciar da artificialidade.
Enquanto pensava ,tocou-me a cirurgia estática.Senti um arrepio enorme.Horrível.
-Que  queres de mim?
-Sou a tua maior aliada.Corrijo defeitos naturais e não deixo as pessoas envelhecer.
-Julgas-te mais poderosa que a Natureza e o tempo?
-Posso alterar os seus efeitos.
-Para melhor ou para pior?
-Sempre com um sentido estético e de acordo com a moda.
-Com a moda?
Calei-me.Afinal eu sou intemporal.A formosura é a sensibilidade do belo.Imortal,portanto.Logo compreendi que não tinha alguma razão para ser triste ,muito mais recear tornar-me um arcaísmo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A saudade deixou de ser (só) nossa


A saudade e o tempo são amigos inseparáveis.O Espaço ,também.
Orgulhosamente,numa Língua rica de léxico como o Português é ,temos guardado como nossa, ,exclusivamente nossa, a palavra saudade .Sentimo-la com intensidade ,sem conseguirmos,na sua análise,identificar um sentimento maior.A saudade é tudo,A saudade contente.A saudade triste.O passado que se torna presente e se projecta.Sim,porque nós não a queremos deixar morrer.
E cantamo-la Deste nosso pequeno país levamos ao mundo a nossa alma no fado e no dolente canto alentejano.Ambos Património Imaterial da Humanidade.Os poetas populares e eruditos ofereceram o que de melhor têm .A musicalidade das suas palavras nascidas da Sabedoria e da Cultura.E escutam-nos.E aplaudem.
Deste nosso pequeno país,há séculos,desenhamos com o leme das nossas caravelas uma Geografia mais exacta.Interligamos conhecimentos e povos.
Agora ,como antes, oferecemos a saudade.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Face

Confesso que ,às vezes, o face me aborrece.
São anúncios a "trapinhos" vistosos e baratos ,apelando à compra que satisfaz a pobre vaidade feminina.E para homem que se cuide também não faltam.Do after-shave,ao perfume,aos exemplos de proeza e força.Que quem pense que o "marialvismo"passou ,julgo que está ligeiramente enganado.Sei que as gerações mais novas desconhecem o termo mas (tristemente)não o conteúdo.
São outras tantas páginas a pedir "um like"...
Depois,ai!depois seguem-se as fotografias de animais "muito queridos e fofinhos".Assim exige a moda da linguagem que os classifiquemos.
De vez em quando, é dito o que queremos e até o que não queremos.O espaço é virtual e o retorno não chega logo.Mas o espaço agita-se,mexe-se... aí aparecem os comentários que suscitam curiosidade e interesse.Mais.Motivam a reflexão.
Este,por exemplo:
You are a produt.
O meu cérebro funcionou fazendo esta ligação rápida:produto,máquina,revolução industrial,fabrico em série.
Respondi: no, we aren't.
Pensei que somos pessoas e com alma,sentimentos,fraquezas e sucessos.Disse de mim para mim:Eu?um produto,que horror!
Pois tive esta contra resposta:Eu sou o produto de amor de uma mãe e de um pai protector.
Senti uma emoção.Doce.Muito doce.Por isso,postei.
That is the sweetest product ,dear friend!
Estava aberto o caminho da reflexão sobre o poder das palavras.Esse poder que nos entranha, ao qual damos forma,o significado.Talvez, de acordo com o que vivemos.Talvez ,de acordo com o nosso Conhecimento.
Tive,então, a certeza que tinha começado a escrever fazendo a pior escolha possível:Confesso.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Afinal o que é a verdade?



O Império Romano,também,caiu!
Foi poderoso,extenso,influente,organizado.
Herodes, não era um nome, era um cargo.Pilatos  foi governador,cobrador de impostos.Estava directamente
dependente do Imperador.
Jesus,ensinava, pregando a sua doutrina de amor e perdão.O povo aplaudiu-O  primeiro,a mesma gente que O condenou ,de seguida.Por isso,foi mandado a Herodes para o julgar.Impotente e indeciso sobre a decisão a tomar reenviou-O a Pilatos,seu superior hierarquicamente.Que lavou as mãos sem que antes tivesse tivesse feito a pergunta:"o que é a verdade?"
Passaram 2014 anos ,quase 2015.A verdade comum,aquela mesquinha ,usada todos os dias, é vocábulo em vias de esquecimento.Ocorre-me a pergunta:-O que é a mentira?Talvez uma "estória "tola,perfeitamente vazia de significado,perceptível aos receptores.
Disse António Aleixo:
Para a mentira ser segura
e atingir profundidade
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
A mentira enquanto puro falseamento não tem alma,não tem vida .É artifício. É fantasia.Reconhecida logo fica na nuvem escura da nossa memória.Minimiza o autor,apenas.Quando tem um pequeníssimo núcleo, este só pode ser verdadeiro.
Esta é uma questão do tempo que atravessamos.Não valerá a pena ouvir tantas afirmações,promessas e comentários.Bastará seleccionar alguns.Depois,analisá-los.Decompô-los. Facilmente se concluirá com alguma astúcia e habilidade o que vale a pena ficar e o que vale a pena esquecer.
Dos Gregos temos ideias,dos Romanos ruínas.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Não sei falar de mim

Isto vem a propósito de uns textos que tenho andado a ler.


 Não me vejo. A imagem do espelho deve ser parecida.Só parecida comigo.Quando olho outra pessoa é que tenho a certeza que nunca me verei.Como todos nascemos e morremos sem esta tão simples oportunidade. Aqui ficamos pelo aspecto físico.O corpo sem alma é inerte e inexpressivo pronto a transformar-se noutra matéria.Essa transformação tem vindo a ser alterada pelos hábitos sociais, pelas crenças,por muitos motivos que a Sociologia se não explica,quantifica.Da o mumificação à cremação.Passaram séculos .Caiu o silêncio
 Seremos o que julgamos ser? Acredito que não.
 Falamos de emoções,de afectos e não-afectos
 de amores encontrados ,uns,perdidos ,,outros
de culpa e de erros (pouco)
de conquistas grandes,de coragem
de fraqueza(raramente)
de lágrimas que esperam aplausos ou consolação
que a lágrima sentida secou pela dor
da saudade contente e da saudade triste
que a saudade autêntica é muda
das recompensas com caixas de chocolates
dos amigos que não são amigos
que os amigos a sério não  são tema de conversa
do trabalho que gostamos
do que gostariamos e não realizamos
de alguns sonhos(fantástico!)
de perdas (pequenas),de desilusões
Falamos muito.Demais.Sem dizer  coisa alguma.
Pedimos ajuda à memória
e a lista vai-se alargando...
Então?
Seremos apenas um "eu"'?
Ao longo da vida somos o que os outros dizem que somos.
Oh ,pá eu conheço-o/a muito bem
Como ninguém!
e assim cada um
 se multiplica.

domingo, 28 de setembro de 2014

Movimento e inércia


Movimento e inércia.Mas inércia não é imobilidade.Porque esta pode ter um colapso,dela pode acontecer um qualquer movimento.Tudo isto porque há dias sofri um pequeno acidente que me obrigou "a parar".Não tanto quanto deveria,tanto quanto o indispensável.Diz a sabedoria popular que "parar é morrer".Talvez aparentemente.Aqui reside o mistério da morte.Se a matéria física que somos se transforma não pode ficar estática.Se cremos que a vida continua,se nós continuamos nós,teremos outras capacidades desconhecidas.No espaço que nos foi dado,como no tempo,julgo que é importante aproveitá-los como e onde é possível.Nas férias de Verão(apetece-me tanto ir buscar um smile,eu que estou de férias vitalícias),comprei alguns livros.Livros são uma das minha paixões.Comprei-os em livrarias e em alfarrabistas.Abundavam as feiras e os ambulantes ,também.Uns verdadeiros,outros falsos que as livrarias têm que sobreviver à crise da não-Cultura.
E li:"Para o homem vulgar sentir é viver e pensar é saber viver.Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.(Fernando Pessoa).
Reflecti nas suas palavras.Na sua afirmação.
As palavras são comuns,usadas por todos nós.Penso que os génios buscam mais a simplicidade que a erudição.As suas ideias partem da vida e da sabedoria.Da observação.Da reflexão.
Não contrariando Pessoa,quem sou eu?sentir é viver.Pensar uma quase técnica para desembaraçar os" nós "dos momentos.Só sentir aperta mais e mais os" nós".
Afinal ,uma palavra ,começo de uma frase,pode ser o princípio e o fim de profundo pensamento.De muitos pensamentos.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O conto de cada um...

Foi Menção Honrosa ,este ano.
Tema: Ser pobre

Bem-haja amigo Fernando Máximo por tantas iniciativas em actividades Culturais!
Obrigada,Avis!

O Mundo está pobre.Não que a Natureza não tivesse dado bens em abundância.Chegariam para todos e ainda sobrariam alguns cestos.O Criador não quis a Humanidade sequiosa .De nada.E,por isso,colocou oásis no deserto onde brota água e a verdura fresca das palmeiras.Jesus que afirmou,dizem as escrituras,|que nada que vem de fora prejudica o Homem.O mal vem em sentido inverso:nos sentimentos e vontades que geram acções destruidoras.O desejo quase ganancioso do poder,de desenvolvimento desenfreado,entra em nossas casas,diariamente,através dos meios de comunicação.Em nome do Progresso,das Finanças equilibradas e da Economia próspera,as imagens de pobreza gravam-se na nossa memória.Como se pertencessem a alguns.E são de todos.
Lembremo-nos dos idosos carenciados de conforto e de carinho.Das crianças abandonadas,tratadas com violência,vendidas,negociadas.Como Job ,a pele colada aos ossos.Dos deficientes,olhados com indiferença porque a suas vidas,não produzem riqueza,não dão lucro calculado.Dos fumadores de "ganza"à injecção de heroína procurando um riso sem razão,uma alucinação sem controle.
A Terra foi dividida administrativamente.Algumas vezes contrariando a Geografia.As sociedades foram constituindo as suas próprias Culturas.Culturas de costas voltadas.A governação não olha o real.Nos gabinetes debitam-se teorias,escrevem-se discursos,inventam-se fraudes,corrompe-se e lapida-se o Património.O povo revolta-se.Mata e deixa-se morrer.Há luto,ritos e lágrimas.Formam-se filas para obter pão,alimentos.
Estamos no sec XXI.
Neste tempo,  a ignorância alastra,a falsificação é aplaudida e a incompetência esconde-se sob a forma de poder.
Diz-se que vivemos a era da globalização.Melhor seria chamar-lhe da informação,facultada pelas novas tecnologias.A solidão opõe-se à solidariedade.É preciso ter uma coragem hercúlea para ser diferente.
Falsear factos é criar dúvida.Não a dúvida pensada por Aristóteles para  desenvolver o Conhecimento.A dúvida que satisfaz o egoísmo e maltrata os outros.A máscara é posta como se de teatro se tratasse.Institucionalizaram-se duas versões:a profissional e a pessoal.Tudo em nome do bem comum.Do reconhecimento da inteligência.
Estamos numa viragem da História.Diz-se.A mudança é fundamental,argumenta-se.
Só a Arte recria.Por isso,desvaloriza-se.Cultiva-se o "talvez " e o "relativo".E rola-se num passado feito presente,incapaz de projectar futuro.
Estamos pobres.Somos pobres.Todos.